Artigo de: Everly Romilde Marques Canto e Josiane Gonçalves Santos
Everly Romilde Marques Canto é graduada em pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós-graduada em Educação Especial – Deficiência Mental pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Atualmente é Presidente do Conselho Municipal de Educação de Curitiba e Coordenadora da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação no Paraná.
Endereço eletrônico: evcanto@sme.curitiba.pr.gov.br
Josiane Gonçalves Santos é conselheira do Conselho Municipal de Educação de Curitiba, pedagoga, mestre em Educação – Linha de Pesquisa “Políticas Públicas e Gestão da Educação”. Atualmente trabalha na Coordenadoria de Estrutura e Funcionamento de Ensino na Superintendência de Gestão Educacional da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba. É professora do ensino superior em cursos de graduação e pós-graduação em educação.
Endereço eletrônico: josianesantos@sme.curitiba.pr.gov.br
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Resumo
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba é órgão permanente e autônomo, desempenhando funções de caráter normativo, deliberativo, consultivo, fiscalizador, mobilizador e de controle social, que asseguram a participação da sociedade na gestão da educação municipal. A Lei n.º 12.081/06 altera a redação da Lei Municipal n.º 6763/85 que cria o CME, integrando-o ao Sistema Municipal de Ensino – SISMEN. O CME tem como principal objetivo assegurar aos grupos representativos da sociedade o direito de participação na definição das diretrizes da educação no âmbito do Município, numa ação em prol da contínua melhoria da qualidade dos serviços educacionais ofertados na cidade, traduzindo a gestão democrática no âmbito do Sistema Municipal de Ensino, com autonomia de ação. O órgão possui jurisdição sobre as instituições de ensino públicas municipais de educação básica, bem como sobre as de educação infantil, privadas e conveniadas, sediadas no município. No desempenho de suas atividades, o CME de Curitiba atua em plenário e é organizado em três Câmaras : de Educação Infantil, de Ensino Fundamental e de Gestão do Sistema.
Eixo Temático: Políticas Públicas e Gestão da Educação
Introdução
Os tempos mudaram, a escola mudou. Compreender os compromissos e responsabilidades das instituições e órgãos da educação na contemporaneidade não é tarefa fácil em virtude de novas exigências sociais, culturais, econômicas, políticas. São demandas que interferem nos compromissos e responsabilidades da escola, pois exige um trabalho pedagógico focado na formação integral do aluno.
Formação integral [1] que garanta a formação para a cidadania e para o mundo do trabalho. Nesse cenário, a educação deixa de ser apenas sinônimo para o processo de escolarização e se constitui como processo permanente, se realizando durante toda a vida.
Sobre essa formação Ferreira (2001, p.309) afirma,
necessária direção do processo educativo que se faz, um só, com os mesmos princípios, valores, pressupostos teóricos e metodológicos postulados por todos, conteúdos científicos, técnicos, éticos e humanos, e “sabedoria” desde a construção coletiva inicial do projeto político-pedagógico que continua sendo reconstruído a cada momento em que se faz prática, quando a “idéia” se transforma em “ato” e possibilita um novo “pensar” sobre todo este processo de formação humana que se realiza na escola e pelo qual a gestão da educação é responsável. A razão de ser da gestão da educação consiste, portanto na garantia de qualidade do processo de formação humana - expresso no projeto político-pedagógico - que possibilitará ao educando crescer e, através dos conteúdos do ensino, que são conteúdos de vida, hominizar-se, isto é, tornar-se mais humano.
Gestão compreendida como tomada de decisão e que origina-se do latim gestio-õnis e tem como significado gerir, gerência, administração.
A expressão “gestão” vem se disseminando quando se pensa na administração da educação, pois é um conceito que está relacionado à responsabilidade do processo educacional em todos os níveis do ensino.
A gestão da educação corresponde, portanto, a um processo mais amplo e está relacionada a um conjunto de ações articuladas e normatizadas pelas políticas educacionais vigentes nas diferentes esferas de atuação – União, estados e municípios – e que se efetivam na escola.
Nesse contexto, se destaca a necessidade de participação da sociedade, traduzindo um movimento democrático, pois segundo Bordenave (1994, p. 08), “democracia é um estado de participação.”
Conselho Municipal de Educação
A Constituição Federal de 1988, conhecida como a constituição cidadã, coloca o cidadão na condição de governante. Esse exercício da cidadania exigiu a abertura nos espaços de poder historicamente vigentes na estrutura administrativa do Estado.
A democratização da sociedade manifesta novos valores e princípios, entre eles o do pertencimento do bem público, pressupondo a participação coletiva nos processos decisórios. (BORDIGNON, 2009, p. 60)
A referida legislação dá destaque aos direitos e deveres do cidadão, determina, em seu art. 206, a gestão democrática do ensino público, num movimento em prol da participação da sociedade civil no - desenvolvimento e implementação de políticas públicas e diretrizes educacionais que garantam à todos a apropriação dos saberes historicamente construídos, mas também comprometida com o respeito a todos, valores necessários na construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam, sem distinção ou diferença.
Nessa mesma linha, o MEC/SEB (2004, Introdução), desenvolve suas ações, afirmando: “o processo de redemocratização do país reconheceu a importância da participação popular na gestão e no controle social das políticas públicas, como forma de garantir a universalização de direitos básicos que promovam o exercício da cidadania.”
No entanto, é um processo que ainda necessita ser aprimorado. Para Ferreira (2000, p. 167)
(...) a gestão democrática da educação é hoje, um valor já consagrado no Brasil e no mundo, embora ainda não totalmente compreendido e incorporado à prática social global e à prática educacional brasileira e mundial. É indubitável sua importância como um recurso de participação humana e de formação para a cidadania. É indubitável sua necessidade para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É indubitável sua importância como fonte de humanização.
É nesse contexto que vem se destaca a ação dos Conselhos Municipais de Educação, pois, garantindo o exercício democrático de participação da sociedade. Para tanto, necessária se faz a criação e ressignificação de mecanismos institucionais. Mas nem sempre foi assim. Bordignon (2009, p. 59), explica,
Os primeiros conselhos foram inspirados no modelo dos boards ingleses, assumindo a feição de conselhos diretores, similares aos atuais conselhos de administração, ou deliberativos, das empresas. Exerciam função consultiva e deliberativa para a gestão do Ministério ou Secretaria a que se vinculavam. Em síntese: serviam ao Governo e em nome dele exerciam suas funções.
Portanto, o que vem a ser um Conselho de Educação?
Conselho vem do latim consilium, que origina-se do verbo consulo/consulere que significa “tanto ouvir alguém quanto submeter algo a uma deliberação de alguém, após uma ponderação refletida, prudente e de bom senso.” (CURY, 2000, p.47)
Essa definição vem ao encontro da compreensão contemporânea sobre a função dos conselhos, pois se anteriormente eram órgãos de assessoramento, na atualidade sua ação possui uma dimensão política, realizando a mediação entre a sociedade e o governo, sempre em prol dos interesses coletivos. (BORDIGNON, 2009, p. 53)
Conselho é um espaço em que, segundo Cury (2001, p.50), “a razão se aproxima do bom senso e ambos do diálogo público, reconhecendo que todos são intelectuais, ainda que nem todos façam do intelecto uma função permanente.”
Monlevade (2004, p.34) define e explica,
Conselho de Educação: a educação, mais do que outras tarefas da sociedade, é uma ação coletiva, em que necessariamente todos estão envolvidos. Mesmo na sua agência especializada, a escola, o múnus educativo transcende à ação do professor. A primeira escola do Brasil se chamava “colégio”, ou seja, um coletivo de educadores e educandos. E, em todas as que a sucederam, mais altas e definitivas atribuições foram confiadas aos colegiados. Embora marcada pela autoridade individual, a administração pública, na área da educação, desde a era colonial, nunca dispensou os “conselhos”, ou seja, os órgãos de reflexão e decisão coletivos que assessoravam reis, príncipes, capitães-gerais, governadores e presidentes. Uma rede de ensino pode ter um conselho como órgão de assessoramento gerencial, uma vez que cabe ao legislativo baixar as normas gerais. Já um sistema de ensino precisa de um órgão normativo específico, que detalhe os elementos normativos, principalmente na área do currículo escolar, e controle sua execução: tal é a tarefa central e cotidiana de um conselho de educação.
Cabe, portanto, ao Conselho Municipal da Educação normatizar questões ligadas à rede municipal de ensino e às escolas de educação infantil privadas e conveniadas, acompanhar a política educacional, fiscalizar as ações implementadas e mobilizar a sociedade em prol de temas educacionais.
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba efetivou-se recentemente, pela Lei Municipal n.º 12.081/06 que altera a redação da Lei n.º 6763/85 que cria o CME de Curitiba, possuindo jurisdição sobre as instituições da Rede Municipal de Ensino e sobre as de educação infantil, privadas e conveniadas, sediadas em Curitiba.
A legalidade de sua ação está prevista em diferentes leis, destacando-se:
• Constituição Federal de 1988 (Art. 211);
• Emenda constitucional Nº 14/96;
• Constituição Estadual (Art. 278 e 279);
• Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96, Art. 11/18;
• Lei que cria o Sistema Municipal de Educação.
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba exerce importante papel como mediador e articulador das demandas educacionais da sociedade curitibana, assegurando a participação da sociedade na gestão da educação municipal, além de se constituir como instância de diferentes segmentos sociais comprometidos com uma educação de qualidade e com o exercício pleno da cidadania.
Cada uma das funções desempenhadas pelo CME possui natureza e objeto diferentes.
A função normatizadora, segundo Cury (2007), é a função que distingue um Conselho de Educação, pois por meio dela o Conselheiro estuda e interpreta a legislação vigente, porém isso não significa considerá-lo com um legislador, atribuição dos vereadores, deputados e senadores. É uma função que busca facilitar a organização e o funcionamento do Sistema Municipal de Ensino, além de outras ações previstas na LDB 9394/96, cuja normatização é competência dos respectivos sistemas de ensino. Ela se efetiva por meio de pareceres [2] e resoluções [3].
A função deliberativa está relacionada ao pronunciamento sobre questões educacionais submetidas pelas instituições de ensino, pela Secretaria Municipal de Educação, pelo Poder Legislativo Municipal e outros, sempre em acordo com a legislação vigente. Está relacionada a assuntos sobre os quais tenha poder de decisão. Essas atribuições deverão ser definidas na lei que cria o conselho, que pode, por exemplo, aprovar regimentos e estatutos; credenciar escolas e autorizar cursos, séries ou ciclos; e deliberar sobre os currículos propostos pela secretaria.
A função consultiva tem caráter de assessoramento, pois cabe ao Conselho analisar e se pronunciar sobre questões encaminhadas/propostas pelo órgão executivo do Sistema, bem como pelos diferentes segmentos e integrantes da sociedade civil.
A função fiscalizadora: acompanha, examina, avalia, controla o desenvolvimento de experiências pedagógicas inovadoras, o desempenho do Sistema Municipal de Ensino, o cumprimento do Plano Municipal de Educação, o cumprimento da legislação educacional vigente. É uma função que exige muita atenção, pois está relacionada ao acompanhamento de ações pedagógicas e administrativas. Nesse sentido pode promover sindicâncias; aplicar sanções a pessoas físicas ou jurídicas que não cumprem leis ou normas; solicitar esclarecimento dos responsáveis ao constatar irregularidades e denunciá-las aos órgãos competentes, como o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Câmara de Vereadores.
A função mobilizadora: quando promove a participação, de forma integrada, dos segmentos representativos da sociedade em prol da efetivação da democracia participativa e para a melhoria da qualidade social da educação. São algumas das características dessa função: estimular a participação da sociedade no acompanhamento dos serviços educacionais; informá-la sobre as questões educacionais do município; tornar-se um espaço de reunião dos esforços do executivo e da comunidade para melhoria da educação; promover evento educacional para definir ou avaliar o PME; e realizar reuniões sistemáticas com os segmentos representados no CME.
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba possui regimento interno próprio composto de oitenta e sete artigos e tem como principal objetivo assegurar a participação da comunidade na definição das diretrizes da educação municipal, bem como contribuir para a melhoria da qualidade da educação.
Com tantas e tão importantes atribuições, o CME necessita ter uma composição democrática, pois o significado maior de um conselho está relacionado ao ato de ouvir e ser ouvido, na busca de decisão consensual em prol do bem comum.
O CME se organiza em três Câmaras: de Educação Infantil, de Ensino Fundamental e de Gestão do Sistema e é composto por 16 conselheiros – titulares e suplentes – representantes dos seguintes segmentos: Poder Executivo, instituições de educação infantil conveniadas, servidores da educação SISMUC, SISMMAC, pais de alunos, escolas particulares de educação infantil, Sistema Estadual de Ensino, instituições de ensino superior de Curitiba formadoras do magistério, Câmara Municipal de Curitiba.
Essa composição possibilita que o Conselho se constitua como um importante fórum de discussões sobre a educação no município, pois os diferentes olhares, apesar dos conflitos e divergências, caracterizam-se como expressão legítima da gestão democrática.
O Conselheiro desempenha suas funções, segundo Cury (2007, p. 01),
no âmbito de um interesse público cujo fundamento é o direito à educação das pessoas que buscam a educação escolar. A educação escolar regular, distinta da educação livre, é regular porque está sub lege e seus certificados e diplomas possuem validade oficial. Suas funções, voltadas para essa finalidade, são um múnus público, e devem ser levadas adiante por um órgão colegiado, formado por membros que se reúnem em uma colegialidade, horizontalmente organizada. Sob coordenação não hierárquica, todos os membros se situam no mesmo plano concorrendo, dentro da pluralidade própria de um Conselho, para a formação de uma vontade majoritária ou consensual do órgão.
Considerações finais
Os movimentos em prol da garantia do direito à educação de qualidade para todos requer uma nova postura dos conselhos de educação, pois caracterizam-se como órgãos mediadores entre a sociedade e o Governo.
O Conselho Municipal de Educação de Curitiba também tem esse compromisso e responsabilidade, porém ainda há confusão sobre sua função e autonomia. Isso, talvez, decorra do fato do órgão estar localizado no mesmo endereço em que situa-se a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, afinal devido sua “tenra idade”, o CME ainda não possui sede própria.
Os dois órgãos juntos configuram o Sistema Municipal de Ensino de Curitiba. O CME carateriza-se como órgão normativo e a SME é o órgão administrativo.
Assim, ciente da importância de sua ação para com a educação da cidade é que o Conselho Municipal de Educação de Curitiba, vem desenvolvendo ações e participando de eventos que contribuam com a divulgação do órgão, aproximando-o verdadeiramente da comunidade em que está inserido.
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[1] Formação integral entendida como o processo que envolve o desenvolvimento contínuo dos indivíduos em todas as suas dimensões e que é oriunda da concepção de onilateralidade. Processo que decorre da responsabilidade da escola como o processo de ensino-aprendizagem e com a instrumentalização do indivíduo em prol da democracia, enquanto apropriação e incorporação de conteúdos da ética e da política.
[2] Parecer é um ato enunciativo pelo qual um órgão emite um encaminhamento fundamentado sobre uma matéria de sua competência e que ganha força vinculante após homologado por autoridade competente. (CURY, 2009)[3] A resolução é um ato normativo emanada de uma autoridade específica do poder executivo com competência em determinada matéria normatizando-a com fundamento em lei.
REFERÊNCIAS
BORDENAVE, J. O que é participação. 8 ed. São Paulo: Braziliense, 1994.
BORDIGNON, G. Gestão da educação no município: sistema, conselho e plano. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Departamento de Articulação e Desenvolvimento dos Sistemas de Ensino. Perfil dos conselhos municipais de educação. Brasília, 2004.
CURY, C. J. O conselho de educação e a gestão dos sistemas. In.: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. da S. Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
__________. Conselhos de educação: fundamentos e funções. Acesso em 01/09/09.
FERREIRA, N. S. C. Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
__________________. Gestão democrática da educação: ressignificando conceitos e possibilidades. In: FERREIRA, N. S. C. & AGUIAR M. A. S. (Orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
MONLEVADE, J. A. A importância do Conselho Municipal de educação na elaboração, implantação e acompanhamento da execução do Plano Municipal de Educação. In.: Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação Pró-Conselho: caderno de referência / coordenação geral de articulação e fortalecimento institucional dos sistemas de ensino. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2004.