Eliane de Souza Cubas Zaions é graduada em História Natural com Bacharelado e Licenciatura pela PUC-PR e graduada em Pedagogia pela UFPR. Especialista em Interdisciplinaridade na Educação Básica pelas Faculdades Integradas Espírita / IBPEX – Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão, e Mestre em Engenharia da Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Atualmente é Coordenadora de Estrutura e Funcionamento de Ensino na Superintendência de Gestão Educacional da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba e vice-presidente do Conselho Municipal de Educação de Curitiba.
Endereço Eletrônico: ezaions@sme.curitiba.pr.gov.br
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Resumo
A Constituição Federal de 1988 trouxe a consolidação da autonomia dos Municípios, e os instituiu como entes da Federação, portanto, como entes jurídicos com recursos, responsabilidades próprias e liberdade para constituir o seu próprio sistema de ensino. O texto constitucional – art. 211 -, ao definir a organização da educação nacional, torna realidade o sistema municipal de ensino, fundamentado no regime federativo, com autonomia e incumbências próprias na sua área de abrangência.
A Lei n.º 9394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - no caput do artigo 8.º, enfatiza o artigo 211 da Constituição, que estabelece as competências dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A legislação sinaliza claramente que a estrutura hierárquica – União, Estados, Municípios – está cedendo lugar à cooperação entre entidades autônomas que, no âmbito da sua atuação, devem buscar as soluções para seus próprios problemas, respeitando-se mutuamente, em um processo de colaboração permanente. A criação de um Sistema de Ensino próprio se insere profundamente no processo político de construção da democracia e sua consolidação pelo regime federativo, pela gradativa afirmação da autonomia, ou seja, da própria cidadania de uma unidade federada, na qual a descentralização é articulada e cada sistema de ensino atua em função das necessidades e dos objetivos específicos de sua região, mas submetido às diretrizes gerais da educação nacional. Para o município, constituir seu sistema de ensino autônomo significa prioritariamente assumir um compromisso com as demandas sociais pela garantia do direito à educação escolar de qualidade, envolvendo todas as lideranças locais e toda a população nesse processo.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema Municipal de Ensino. Autonomia. Gestão da educação.
Contextualização
O conceito de sistema em educação, ainda polêmico e muitas vezes utilizado equivocadamente - ora como um conjunto de equipamentos ou processos, ora como forma de agrupar semelhantes -, bem como a competência do Município para organizar seu Sistema de Ensino próprio, são questões que devem fundamentar nossas discussões na compreensão da educação como direito social inalienável.
Segundo Sari (2003), um Sistema de Ensino compreenderia um conjunto de instituições de educação escolar – públicas e privadas, de diferentes níveis e modalidades de educação e ensino - e de órgãos educacionais, administrativos e normativos, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si com unidade, alicerçados em fins e valores comuns, garantido por normas elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo, em constante interação com o meio em que essas instituições e órgãos se inserem.
Em relação à autonomia do Município para construir seu próprio sistema de ensino, os fundamentos se encontram na própria Constituição Federal de 1988, que reconhece o Brasil como uma República Federativa, conforme dispõe o Art. 1º “...formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal...”. Ao se estruturar, assim o faz sob o princípio da cooperação, de acordo também com os artigos constitucionais 18, 23 e 60, §4.º, I, reconhecendo, portanto, os Municípios como entes federativos, ao lado dos Estados e do Distrito Federal, com recursos e responsabilidades próprias, e com liberdade de auto-organização e autogerenciamento.
As prerrogativas que a legislação brasileira atual atribui aos municípios possibilitaram profundas modificações nos encaminhamentos político-administrativos nas diferentes esferas em que atuam, delegando-lhes autonomia fundamentada em modelos colaborativos.
A LDB/EN sinaliza, claramente, que a estrutura hierárquica – União – Estados – Municípios – está cedendo lugar à cooperação entre entidades autônomas que, no âmbito da sua atuação devem buscar as soluções para seus próprios problemas, respeitando-se mutuamente, em um processo de colaboração permanente.
A maioria dos Municípios dos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, os primeiros Estados a assumirem estas prerrogativas legais, já constituíram seu Sistema de Ensino próprio, e as capitais, incluindo desde dezembro de 2006 Curitiba, com exceção de três, já organizaram e institucionalizaram seus Sistemas Municipais de Ensino.
No Estado do Paraná, são pioneiros na implantação de seus Sistemas de Ensino os Municípios de Londrina, Toledo, Ponta Grossa e São José dos Pinhais. Curitiba instituiu seu Sistema Municipal de Ensino em 20 de dezembro de 2006, com a promulgação da Lei Municipal n.º12090/2006. Atualmente, são dez os municípios paranaenses que organizaram seus Sistemas de Ensino próprios.
Segundo o Parecer n.º 30/2000 do CNE/CEB, cujo relator é Carlos Roberto Jamil Cury, “A base dos sistemas municipais de ensino é sua existência constitucional própria, autônoma e consequente ao caráter do Município como pessoa jurídico-política de direito público interno com autonomia dentro de seu campo de atuação.”
Assim, ao criar seu próprio Sistema de Ensino e consequentemente seu próprio órgão normativo – Conselho Municipal de Educação -, e atender ao que está disposto nos artigos 11 e 18 da LDB, o Município está realizando, no ensino, sua forma própria de ser como entidade política autônoma e integrante do sistema federativo brasileiro, no âmbito da educação escolar.
Através da Lei Municipal n.º 12081/2006, de 20 de dezembro de 2006, que altera a redação da Lei Municipal n.º 6763/1985, de 22 de novembro de 1985, que criou o Conselho Municipal de Educação, Curitiba, finalmente, organiza e implanta seu Conselho Municipal de Educação como órgão normativo do seu Sistema Municipal de Ensino.
A criação de um Sistema de Ensino próprio se insere profundamente no processo político de construção da democracia e sua consolidação pelo regime federativo, pela gradativa afirmação da autonomia, ou seja, da própria cidadania de uma unidade federada, na qual a descentralização é articulada e cada sistema de ensino atua em função das necessidades e dos objetivos específicos de sua região, mas submetido às diretrizes gerais da educação nacional.
Para o Município, constituir seu sistema de ensino autônomo significa, prioritariamente, assumir um compromisso com as demandas sociais pela garantia do direito à educação escolar de qualidade, envolvendo todas as lideranças locais e toda a população nesse processo.
O Sistema Municipal de Ensino e as novas competências para a educação municipal
A Lei Federal n.º 10172, de 09 de janeiro de 2001, aprovou o Plano Nacional de Educação decorrente da Constituição Federal e conforme disposto no seu art.2º. – “A partir da vigência desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspondentes.”
Portanto, o Município enquanto ente federado deverá construir seu Plano Municipal de Educação, com a participação de todos os segmentos da comunidade educacional e da sociedade em geral, atendendo ao princípio constitucional da gestão democrática para o ensino público.
O Plano Municipal de Educação é um instrumento fundamental para que o Município defina com clareza suas responsabilidades na área da educação e, com certeza, melhor o fará, quando organizado em um Sistema Municipal de Ensino próprio.
Assim, é evidente o compromisso, a capacidade e a responsabilidade do Poder Público Municipal com a transformação da realidade social e educacional existente e a relevância da institucionalização do seu Sistema Municipal de Ensino. Essa possibilidade, expressa pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, já discorrida no presente documento, tem também o respaldo do Conselho Nacional de Educação, quando argumenta que “os Municípios, pela Constituição de 1988, são sistemas de ensino” (Parecer CNE/CEB n.º 30/2000) ou, em outras palavras, são “titulares de sistemas autônomos de ensino desde a Constituição Federal de 1988” (Parecer CNE/CEB n.º 04/2000).
Com a institucionalização do Sistema Municipal de Ensino, o Município de Curitiba teve o acréscimo fundamental de duas novas competências:
► a elaboração de normas educacionais complementares para o seu sistema;
► a autorização, o credenciamento e a supervisão das instituições de educação e ensino municipais, e das instituições privadas de educação infantil.
A elaboração de normas educacionais complementares implica na efetivação de um órgão normativo do Sistema de Ensino, o Conselho Municipal de Educação, garantindo unidade e coerência aos elementos constitutivos deste Sistema.
O Município, portanto, ao institucionalizar o seu próprio sistema, passa a usufruir da capacidade normativa (CNE/CEB, Parecer n.º 30/2000). Por outro lado, a LDB descentraliza para os sistemas de ensino várias decisões de caráter normativo, favorecendo sua adequação às peculiaridades locais, desde que sejam complementares às normas nacionais responsáveis por assegurar a necessária unidade normativa de educação em todo o país.
Apresentamos a seguir uma listagem parcial que relaciona dispositivos da LDB/EM, com atribuições de caráter normativo dos sistemas de ensino, que devem constituir matéria de regularização e, se já existente, de análise e adequação, emanadas pelo Conselho Municipal de Educação:
a) Gestão Democrática do ensino público – Art. 3.º, VIII / Art. 14.
b) Condições para a oferta de ensino pela iniciativa privada – Art. 7.º, I e II (no caso dos Municípios, em relação à educação infantil – Art. 18, I).
c) Autorização, reconhecimento, credenciamento, supervisão e avaliação dos cursos das instituições de educação superior e dos estabelecimentos de ensino – Art. 9.º, IX, Art. 10, IV, e Art. 11, IV (no caso dos municípios, autorização, credenciamento e supervisão das Instituições de Educação e Ensino).
d) Graus progressivos de autonomia para as escolas públicas de educação básica – Art. 15.
e) Adequação do Calendário Escolar às peculiaridades locais - Art. 23, §2.º.
f) Avaliação pela escola para classificação do aluno sem escolarização anterior – Art. 24, II, c.
g) Progressão parcial em escolas com progressão regular por série – Art. 24, III.
h) Controle de frequência pela escola – Art. 24 VI.
i) Parâmetro para relação adequada entre número de alunos por professor – Art. 25, “caput” e parágrafo único.
j) Parte diversificada dos currículos (a ser complementada também na escola) – Art. 26, “caput”.
l) Regime de progressão continuada no ensino fundamental em escolas com progressão regular por série – Art. 32, § 2.º.
m) Oferta do ensino fundamental progressivamente em tempo integral – Art. 34, §2.º, Art. 87.
n) Oportunidades educacionais apropriadas, inclusive cursos e exames supletivos para jovens e adultos – Art.37, §1.º, Art. 38, “caput”.
o) Condições para atendimento aos educandos com necessidades especiais – Art. 59, I a V.
p) Critérios para caracterização das instituições privadas de educação especial para fins de apoio técnico e financeiro do poder público – Art. 60, “caput”.
q) Tempo de docência para exercício de outras funções de magistério – Art. 67, parágrafo único.
r) Resolução de questões da transição por delegação do Conselho Nacional de Educação – Art. 90.
Atendendo ao Art. 63 da Lei Municipal n.º 12090/2006, que organiza o Sistema Municipal de Ensino de Curitiba: “Art. 63 – O SISMEN adotará as normas complementares do Conselho Estadual de Educação enquanto o Conselho Municipal de Educação não tiver elaborado normas próprias”, muitos destes conteúdos aqui relacionados encontram-se regularizados, porém merecem revisão e adequações necessárias que atendam aos nossos interesses e peculiaridades locais. Outros serão normatizados pelo órgão competente do Sistema Municipal de Ensino, o Conselho Municipal de Educação.
Reflexões, desafios e avanços necessários
Diante desse contexto, brevemente apresentado nesta exposição, precisamos refletir e buscar alternativas de encaminhamentos que realmente possam consolidar e efetivar o Sistema Municipal de Ensino de Curitiba. Podemos afirmar que a atuação normativa do Conselho Municipal de Educação será a “pedra angular” nesse processo, como órgão colegiado representativo da comunidade, como mediador entre a sociedade civil e o Poder Executivo local na discussão, formulação e implementação da política municipal de educação. E, nesse cenário propício de debates e proposições, estabelecimento de objetivos, prioridades e metas que devem orientar a política educacional no Município de Curitiba é que a institucionalização do Sistema Municipal de Ensino corresponde à efetiva concretização da autonomia municipal na área da educação, com correspondentes liberdades, responsabilidades e deliberações que contribuam efetivamente na melhoria de uma Educação de Qualidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto Constitucional de 05/10/88, contendo as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.º 1 a 15 - Brasília: Imprensa Nacional, 1997.
_______. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “fixa diretrizes e bases da educação nacional”.
_______. Lei n.º 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que, “aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências”.
_______. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Pareceres 05/97 e 12/97, da Câmara de Educação Básica. Brasília: 1997.
_______. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Pareceres 04/2000 e 30/2000 da Câmara de Educação Básica. Brasília: 2000.
_______. Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação – PRASEM III – Guia de consulta /Organizado por Maristela Marques Rodrigues e Mônica Giágio. – Brasília; FUNDESCOLA/MEC, 2001.
_______. Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação – PRASEM II – Guia de consulta, 2.ª ed., FUNDESCOLA/MEC. SARI, Marisa Timm. Organização da Educação Municipal: da Administração da Rede ao Sistema Municipal de Ensino. p.15 a 75. Brasília, 1999.
CURY, Carlos Roberto Jamil et al. Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de Educação.
São Paulo: Editora do Brasil, 1997.
GADOTTI, Moacir e colaboradores. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
RIBEIRO, Wanderley. Municipalização: os Conselhos Municipais de Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
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