segunda-feira, 1 de julho de 2013

A emergência das questões socioambientais na prática pedagógica da escola















Liana Márcia Justen* e Vanessa Marion Andreoli **

Uma das questões atuais mais preocupantes é a grande crise que envolve o meio ambiente. Tal crise começou a se intensificar à medida que o ser humano foi assumindo um sentimento de dominação sobre a natureza, distanciando-se dela.

Historicamente, as relações entre sociedade humana e natureza oscilaram do temor e reverência primitivos diante dos fenômenos físicos e dos animais ameaçadores, ao desejo de dominação sobre territórios e regiões férteis em alimentos e água. No decorrer das eras, algumas culturas conseguiram estabelecer relações mais harmônicas com a natureza, percebendo a interdependência entre a espécie humana e os demais entes naturais.

Porém, em acordo com a lógica do modelo socioeconômico e cultural que passou a vigorar nas sociedades modernas e contemporâneas, ocorreu um distanciamento e mesmo um menosprezo à natureza, que passou a ser tratada como mercadoria. Ao mesmo tempo, a ação predatória do modelo de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico atual tem causado a poluição do ar, das águas e dos solos, a destruição e degradação de florestas nativas, a extinção de espécies animais e vegetais e o esgotamento das fontes naturais de energia em nível global.

Torna-se, portanto, emergencial que as questões ambientais sejam discutidas e refletidas pelos mais diversos setores sociais, uma vez que esta problemática afeta não somente o cotidiano de diversas comunidades, como a qualidade de vida de toda a população mundial. Mudanças físicas, geográficas e climáticas ocorrem simultaneamente em todos os pontos do globo e a crise ambiental global cada vez mais requisita uma alteração nos valores, propósitos, meios de produção e consumo, e nas atividades cotidianas das pessoas.

No entanto, a visão geral da sociedade quanto à responsabilidade com a proteção ambiental ainda é estreita e egoística, levando ao não entendimento da grandiosidade e emergência da Educação Ambiental (EA) – aqui entendida, essencialmente, como uma educação contínua, permanente, emancipadora e transformadora – em todos os segmentos sociais. É preciso humildade à orgulhosa sociedade humana, para entender que a natureza cobra um alto preço pela invasão e destruição a que é submetida, bem como disposição para mudar seus atos predatórios.

Toda e qualquer pessoa, todos os segmentos sociais devem se envolver e se tornar responsáveis pela mudança. Temos avançado muito pouco, porque a tendência generalizada é fingir que se muda e não mudar coisa alguma – isto é: o comodismo impera. A EA, em meio a essa crise, torna-se então um dos principais instrumentos possíveis para contribuir à construção de novas condutas humanas, capazes de evitar ou, pelo menos, minimizar a destruição que vem afetando nossa espécie e as demais com quem interagirmos, e das quais dependemos para nossa sobrevivência.

Nesta perspectiva, a EA apresenta duas dimensões: a magnitude do que propõe, ou seja, a construção de valores, crenças, atitudes que exprimam uma visão generosa e ampla de sociedade e natureza; e a necessidade de mudança nas práticas da vida cotidiana das pessoas, desde as mais simples, até as mais complexas, nos meios de produção e no consumo. É através da sensibilização, primeiramente, que o ser humano começa a tomar consciência de sua prática em relação ao ambiente em que vive. Sensibilização entendida, no contexto deste artigo, como o processo educativo de tornar as pessoas conscientes de suas percepções sobre si mesmas e suas relações com os demais seres que compõem a natureza, possibilitando vivências e construindo conhecimentos não só pela racionalidade, mas a partir de sensações, intuições e sentimentos.

Em suas diversas possibilidades, a EA abre um estimulante espaço para se repensar práticas sociais e desenvolver os conhecimentos necessários para que os indivíduos adquiram bases adequadas à compreensão essencial do meio ambiente global e local, da interdependência dos problemas e soluções, e da importância da responsabilidade de cada um para construir uma sociedade mais equitativa e ambientalmente sustentável. A EA deve, portanto, trabalhar valores que propiciem o interesse, a autoconfiança e o engajamento em ações conservacionistas. Ela está ligada, principalmente no contexto deste trabalho, a novas formas de relação entre ser humano e natureza, em sua dimensão cotidiana, como uma soma de práticas, e suas potencialidades de generalização no conjunto da sociedade.

A realidade atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na inter-relação dos saberes e das práticas coletivas, criando identidades, valores comuns e ações solidárias, numa perspectiva que privilegia o diálogo entre os saberes das diversas ciências que estudam a natureza. Existe, portanto, a necessidade de incrementar os meios de informação e comunicação e o seu acesso a todos os segmentos da população, bem como o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais, como caminhos possíveis para se alterar o quadro atual de degradação socioambiental.

Trata-se de promover o crescimento da consciência ambiental, expandindo a possibilidade de a população participar mais efetivamente nos processos decisórios, fortalecendo sua corresponsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental. Assim, a Educação Ambiental deve ser acima de tudo um ato político, voltado para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva holística de ação, que relaciona o ser humano, a natureza e o universo, tendo em conta que os recursos naturais se esgotam e que a ação predatória humana tem se tornado a principal responsável pela sua degradação.

Neste contexto, a escola, entendida como uma das principais instituições sociais formadoras de valores e desenvolvedora de habilidades, possui um papel crucial no processo de construção de uma EA que atente para a melhoria da qualidade de vida, não somente de seus estudantes, mas das comunidades às quais pertencem. Precisamos trabalhar com uma visão ambiental mais ampla, que inclua também as questões sociais, políticas e econômicas relacionadas. Enfim, uma EA muito além de separação e coleta de lixo reciclável, da celebração de datas comemorativas, das tentativas de proteção de rios, matas e fundos de vale. Essas ações são importantes e necessárias, mas é preciso trabalhar a EA em perspectivas mais amplas. O desafio emergente imposto a nós, educadores, é exercitar o pensamento interdisciplinar – em outras palavras, romper as barreiras em que as “caixinhas” da fragmentação do conhecimento nos colocaram ao longo da história.

Uma criança pequena aprende sobre a vida e o mundo observando, agindo sobre objetos, aprimorando percepções, exercitando a capacidade de assimilação de fatos e situações que se comunicam entre si, como ocorre na vida. Depois, vê-se obrigada a estudar tudo em separado: letras, números, operações matemáticas, regras ortográficas, geografia, história, ciências... A totalidade que ela encontrou no mundo, que a encantou e sobre a qual ela teve tanta curiosidade, vai sendo dividida em caixas separadas de conhecimentos que cada vez mais dificilmente se comunicam nos currículos dos diversos níveis de ensino.

É certo que há momentos em que se precisa aprofundar os modos específicos de conhecer e pesquisar um determinado campo de conhecimento, estabelecido pela organização denominada “disciplina”, ou área do saber, mas nunca se pode perder de vista o todo ao qual esse campo pertence, sob pena de nos alhearmos da formatação ecossistêmica que predomina na vida e na natureza. Não aprendemos ainda a lidar com esta formatação, e este fato está na origem da atual crise ambiental.

É aí que nos deparamos com algumas questões fundamentais para a prática da EA: com que metodologia trabalhar informações sobre conteúdos já existentes nos currículos escolares, numa visão interdisciplinar, quando a organização curricular é fragmentada em disciplinas e embasada em conteúdos estanques? Como construir conceitos, valores, práticas e hábitos que impliquem numa educação emancipadora, capaz de incentivar os estudantes a se tornarem agentes transformadores de suas realidades?

A EA nos dá possibilidades de construir, transformar, refletir e ir à prática, frente à certeza de que sempre é possível mudar hábitos e práticas, alterar ou aperfeiçoar tecnologias, mesmo em contextos de apatia e indiferença. Além disso, possibilita a relação entre seres humanos, visando abrir um canal de comunicação com a sensibilidade, buscando o refinamento desta. Nós não queremos formar seres que somente saibam lidar com máquinas, autômatos com cabeças feitas – queremos pessoas melhores do ponto de vista ético, dos valores humanos.

Devemos almejar uma melhoria na consciência humana, tanto individual quanto coletiva. Trabalhar na perspectiva da realidade e do sonho não deve ser visto pela escola como algo utópico, romântico, mas como possibilidade de escolha entre as coisas como são hoje e como podem se tornar. Com mudanças na forma de as pessoas pensarem, sentirem e agirem, todas as formas de vida exercerão um papel importante, se entendermos que somos parte da natureza, não seus proprietários: o que garante a sobrevivência e o fortalecimento dos ecossistemas são a multiplicidade, a diversidade e a interdependência.

Apesar de todos os compromissos assumidos em conferências e eventos mundiais, sem esta percepção coletiva será muito difícil nos organizarmos para enfrentar, de modo integrado e cooperativo, os desafios comuns que ameaçam a sobrevivência de nossa espécie. Assim, a EA deve sempre se fundamentar numa visão ecossistêmica de mundo e numa concepção transformadora de educação, que envolve a relação de cada ser humano consigo mesmo, com os outros e com o planeta, no local e no global.

São pertinentes todas as metodologias que promovam a construção do pensamento científico, crítico e criador, mediante a observação, a comparação, a experiência prática, a ação conjunta, as vivências individuais e coletivas.

Inicialmente envolvendo as séries iniciais do ensino fundamental, e mais tarde definida como obrigatória por legislação específica, para todos os níveis e modalidades de ensino, bem como para todos os extratos sociais, a EA se tornou um desafio para os sistemas de ensino e todos os que atuam com educação, pela concepção transformadora, que postula a mudança de relações sociedade/natureza e a consequente alteração no modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente.

Se pararmos para observar o que acontece na Educação Infantil, por exemplo, veremos a vida nas relações, se comunicando, interdependendo, dialogando, se conflitando por espaços, enfim, se relacionando o tempo todo. Se viéssemos usando esse tipo de metodologia em todos os níveis de ensino, as pessoas que inventaram e desenvolveram os agrotóxicos, por exemplo – pensando em acabar com as pragas – jamais teriam ignorado os efeitos de tais produtos na vida de outros animais e plantas no entorno próximo e mais distante.

Tudo parece muito utópico para a realidade do cotidiano escolar, mas na verdade precisamos de ações simples e não simplórias: a estrutura básica da EA implica em ações integradas de sensibilização, informação, mobilização, ação, comprometida com a construção de valores e adoção de práticas sustentáveis de vida. Afinal, quem é que disse que existe uma “educação não ambiental”, já que nascemos, crescemos e morremos dentro de um mesmo planeta, dependendo da natureza para respirar, comer, enfim: viver?

* Liana Márcia Justen é pedagoga, mestre em Educação e doutoranda em Educação Ambiental

** Vanessa Marion Andreoli é pedagoga, mestre em Sociologia e doutoranda em Educação

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