Liana Márcia Justen* e Vanessa Marion Andreoli **
Uma das questões atuais mais preocupantes é a grande crise que envolve o meio ambiente. Tal
crise começou a se intensificar à medida que o ser humano foi assumindo um sentimento
de dominação sobre a natureza, distanciando-se dela.
Historicamente,
as relações entre sociedade humana e natureza oscilaram do temor e reverência
primitivos diante dos fenômenos físicos e dos animais ameaçadores, ao desejo de
dominação sobre territórios e regiões férteis em alimentos e água. No decorrer
das eras, algumas culturas conseguiram estabelecer relações mais harmônicas com
a natureza, percebendo a interdependência entre a espécie humana e os demais entes
naturais.
Porém, em
acordo com a lógica do modelo socioeconômico e cultural que passou a vigorar nas
sociedades modernas e contemporâneas, ocorreu um distanciamento e mesmo um
menosprezo à natureza, que passou a ser tratada como mercadoria. Ao mesmo tempo,
a ação predatória do modelo de desenvolvimento econômico, científico e
tecnológico atual tem causado a poluição do ar, das águas e dos solos, a
destruição e degradação de florestas nativas, a extinção de espécies animais e
vegetais e o esgotamento das fontes naturais de energia em nível global.
Torna-se,
portanto, emergencial que as questões ambientais sejam discutidas e refletidas
pelos mais diversos setores sociais, uma vez
que esta problemática afeta não somente o cotidiano de diversas comunidades, como
a qualidade de vida de toda a população mundial. Mudanças
físicas, geográficas e climáticas ocorrem simultaneamente em todos os pontos do
globo e a crise ambiental global cada vez mais requisita uma alteração nos
valores, propósitos, meios de produção e consumo, e nas atividades cotidianas
das pessoas.
No entanto, a visão geral
da sociedade quanto à responsabilidade com a proteção ambiental ainda é estreita
e egoística, levando ao não entendimento da grandiosidade e emergência da
Educação Ambiental (EA) – aqui entendida, essencialmente, como uma educação
contínua, permanente, emancipadora e transformadora – em todos os segmentos
sociais. É preciso humildade à orgulhosa sociedade humana, para entender que a
natureza cobra um alto preço pela invasão e destruição a que é submetida, bem
como disposição para mudar seus atos predatórios.
Toda e qualquer pessoa,
todos os segmentos sociais devem se envolver e se tornar responsáveis pela
mudança. Temos avançado muito pouco, porque a tendência generalizada é fingir
que se muda e não mudar coisa alguma – isto é: o comodismo impera. A EA, em
meio a essa crise, torna-se então um dos principais instrumentos possíveis para
contribuir à construção de novas condutas humanas, capazes de evitar ou, pelo
menos, minimizar a destruição que vem afetando nossa espécie e as demais com
quem interagirmos, e das quais dependemos para nossa sobrevivência.
Nesta perspectiva, a EA
apresenta duas dimensões: a magnitude do que propõe, ou seja, a construção de
valores, crenças, atitudes que exprimam uma visão generosa e ampla de sociedade
e natureza; e a necessidade de mudança nas práticas da vida cotidiana das
pessoas, desde as mais simples, até as mais complexas, nos meios de produção e no
consumo. É
através da sensibilização, primeiramente, que o ser humano começa a tomar
consciência de sua prática em relação ao ambiente em que vive. Sensibilização
entendida, no contexto deste artigo, como o processo educativo de tornar as
pessoas conscientes de suas percepções sobre si mesmas e suas relações com os
demais seres que compõem a natureza, possibilitando vivências e construindo
conhecimentos não só pela racionalidade, mas a partir de sensações, intuições e
sentimentos.
Em suas diversas possibilidades, a EA abre um
estimulante espaço para se repensar práticas sociais e desenvolver os
conhecimentos necessários para que os indivíduos adquiram bases adequadas à
compreensão essencial do meio ambiente global e local, da interdependência dos
problemas e soluções, e da importância da responsabilidade de cada um para
construir uma sociedade mais equitativa e ambientalmente sustentável. A EA deve,
portanto, trabalhar valores que propiciem o interesse, a autoconfiança e o
engajamento em ações conservacionistas. Ela está ligada, principalmente no
contexto deste trabalho, a novas formas de relação entre ser humano e natureza,
em sua dimensão cotidiana, como uma soma de práticas, e suas potencialidades de
generalização no conjunto da sociedade.
A realidade atual exige uma reflexão cada vez
menos linear, e isto se produz na inter-relação dos saberes e das práticas
coletivas, criando identidades, valores comuns e ações solidárias, numa
perspectiva que privilegia o diálogo entre os saberes das diversas ciências que
estudam a natureza. Existe, portanto, a necessidade de incrementar os meios de
informação e comunicação e o seu acesso a todos os segmentos da população, bem
como o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais, como
caminhos possíveis para se alterar o quadro atual de degradação socioambiental.
Trata-se de promover o crescimento da
consciência ambiental, expandindo a possibilidade de a população participar
mais efetivamente nos processos decisórios, fortalecendo sua
corresponsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação
ambiental. Assim, a Educação Ambiental deve ser acima de tudo um ato político,
voltado para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva
holística de ação, que relaciona o ser humano, a natureza e o universo, tendo
em conta que os recursos naturais se esgotam e que a ação predatória humana tem
se tornado a principal responsável pela sua degradação.
Neste contexto, a
escola, entendida como uma das principais instituições sociais formadoras de
valores e desenvolvedora de habilidades, possui um papel crucial no processo de
construção de uma EA que atente para a melhoria da qualidade de vida, não
somente de seus estudantes, mas das comunidades às quais pertencem. Precisamos
trabalhar com uma visão ambiental mais ampla, que inclua também as questões
sociais, políticas e econômicas relacionadas. Enfim, uma EA muito além de
separação e coleta de lixo reciclável, da celebração de datas comemorativas, das
tentativas de proteção de rios, matas e fundos de vale. Essas ações são
importantes e necessárias, mas é preciso trabalhar a EA em perspectivas mais
amplas. O desafio emergente imposto a nós, educadores, é exercitar o pensamento
interdisciplinar – em outras palavras, romper as barreiras em que as
“caixinhas” da fragmentação do conhecimento nos colocaram ao longo da história.
Uma criança pequena
aprende sobre a vida e o mundo observando, agindo sobre objetos, aprimorando
percepções, exercitando a capacidade de assimilação de fatos e situações que se
comunicam entre si, como ocorre na vida. Depois, vê-se obrigada a estudar tudo em
separado: letras, números, operações matemáticas, regras ortográficas,
geografia, história, ciências... A totalidade que ela encontrou no mundo, que a
encantou e sobre a qual ela teve tanta curiosidade, vai sendo dividida em
caixas separadas de conhecimentos que cada vez mais dificilmente se comunicam
nos currículos dos diversos níveis de ensino.
É certo que há momentos
em que se precisa aprofundar os modos específicos de conhecer e pesquisar um determinado
campo de conhecimento, estabelecido pela organização denominada “disciplina”,
ou área do saber, mas nunca se pode perder de vista o todo ao qual esse campo
pertence, sob pena de nos alhearmos da formatação ecossistêmica que predomina
na vida e na natureza. Não aprendemos ainda a lidar com esta formatação, e este
fato está na origem da atual crise ambiental.
É aí que nos deparamos
com algumas questões fundamentais para a prática da EA: com que metodologia
trabalhar informações sobre conteúdos já existentes nos currículos escolares, numa
visão interdisciplinar, quando a organização curricular é fragmentada em
disciplinas e embasada em conteúdos estanques? Como construir conceitos,
valores, práticas e hábitos que impliquem numa educação emancipadora, capaz de
incentivar os estudantes a se tornarem agentes transformadores de suas
realidades?
A EA nos dá
possibilidades de construir, transformar, refletir e ir à prática, frente à
certeza de que sempre é possível mudar hábitos e práticas, alterar ou aperfeiçoar
tecnologias, mesmo em contextos de apatia e indiferença. Além disso,
possibilita a relação entre seres humanos, visando abrir um canal de comunicação
com a sensibilidade, buscando o refinamento desta. Nós não queremos formar
seres que somente saibam lidar com máquinas, autômatos com cabeças feitas –
queremos pessoas melhores do ponto de vista ético, dos valores humanos.
Devemos almejar uma
melhoria na consciência humana, tanto individual quanto coletiva. Trabalhar na
perspectiva da realidade e do sonho não deve ser visto pela escola como algo
utópico, romântico, mas como possibilidade de escolha entre as coisas como são
hoje e como podem se tornar. Com mudanças na forma de as pessoas pensarem,
sentirem e agirem, todas as formas de vida exercerão um papel importante, se entendermos
que somos parte da natureza, não seus proprietários: o que garante a
sobrevivência e o fortalecimento dos ecossistemas são a multiplicidade, a
diversidade e a interdependência.
Apesar de todos os
compromissos assumidos em conferências e eventos mundiais, sem esta percepção
coletiva será muito difícil nos organizarmos para enfrentar, de modo integrado
e cooperativo, os desafios comuns que ameaçam a sobrevivência de nossa espécie.
Assim, a EA deve sempre se fundamentar numa visão ecossistêmica de mundo e numa
concepção transformadora de educação, que envolve a relação de cada ser humano
consigo mesmo, com os outros e com o planeta, no local e no global.
São pertinentes todas
as metodologias que promovam a construção do pensamento científico, crítico e criador,
mediante a observação, a comparação, a experiência prática, a ação conjunta, as
vivências individuais e coletivas.
Inicialmente envolvendo
as séries iniciais do ensino fundamental, e mais tarde definida como
obrigatória por legislação específica, para todos os níveis e modalidades de
ensino, bem como para todos os extratos sociais, a EA se tornou um desafio para
os sistemas de ensino e todos os que atuam com educação, pela concepção
transformadora, que postula a mudança de relações sociedade/natureza e a
consequente alteração no modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente.
Se pararmos para
observar o que acontece na Educação Infantil, por exemplo, veremos a vida nas
relações, se comunicando, interdependendo, dialogando, se conflitando por espaços,
enfim, se relacionando o tempo todo. Se viéssemos usando esse tipo de
metodologia em todos os níveis de ensino, as pessoas que inventaram e
desenvolveram os agrotóxicos, por exemplo – pensando em acabar com as pragas –
jamais teriam ignorado os efeitos de tais produtos na vida de outros animais e
plantas no entorno próximo e mais distante.
Tudo parece muito utópico para a realidade do cotidiano
escolar, mas na verdade precisamos de ações simples e não simplórias: a
estrutura básica da EA implica em ações integradas de sensibilização,
informação, mobilização, ação, comprometida com a construção de valores e
adoção de práticas sustentáveis de vida. Afinal, quem é que disse que existe
uma “educação não ambiental”, já que nascemos, crescemos e morremos dentro de
um mesmo planeta, dependendo da natureza para respirar, comer, enfim: viver?
* Liana
Márcia Justen é pedagoga, mestre em Educação e doutoranda em Educação Ambiental
**
Vanessa Marion Andreoli é pedagoga, mestre em Sociologia e doutoranda em
Educação
Nenhum comentário:
Postar um comentário