terça-feira, 23 de abril de 2013

O Regime de Colaboração

                                  
Vamos conhecer e discutir um pouco mais sobre os princípios e o regime de colaboração que regem os Conselhos Municipais de Educação e suas responsabilidades. Para isso, é importante recuperar o sentido do termo “Conselho”, que tem sua origem no latim Consilium. Este termo, por sua vez, provém do verbo consulo/consulere e quer dizer ouvir alguém, submeter algo a uma deliberação de alguém após uma ponderação refletida, prudente e de bom senso. Trata-se, pois, de um termo cujos significados postulam uma via de mão dupla: ouvir e ser ouvido. Obviamente a recíproca audição se compõe o ver e ser visto. Assim sendo, quando um conselho participa dos destinos de uma sociedade ou de parte desses destinos, como é o caso da educação escolar, o próprio verbo consulere já contém um princípio de publicidade. O dar a conhecer de atos e decisões que implicam uma comunidade deve ser objeto de transparência e de prestação de contas.
                                                                                            Carlos Roberto Jamil Cury

Princípios que regem os conselhos

Vale a pena recordar o art. 37 da Constituição Federal de 1988, pois ele diz bastante para quem ocupa cargos ou funções na administração pública: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Ou seja, de alguma maneira recaem sobre todos esses princípios.

Esse artigo da nossa constituição legisla sobre alguns aspectos que queremos destacar:

A legalidade: este é o aspecto menos complicado, porque o conhecimento da Lei, a operacionalização, a efetivação, a obediência à Lei, é algo que está muito claro para todos. A Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro, de 4 de setembro de 1942, Decreto-Lei n. 4657, diz no artigo 3.º: “Ninguém se recusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Um conselheiro deve conhecer as leis da Educação, sobretudo, as de caráter nacional e as de seu Município. Como o Conselho Nacional de Educação tem atribuições válidas para o conjunto da educação nacional, é preciso, também, conhecer seus pareceres e resoluções.

O princípio da impessoalidade: é um aspecto que foi tratado por uma figura imponente no mundo da Sociologia. Trata-se do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Ele afirmava que a impessoalidade é uma das características do ser público. Max Weber ligava a impessoalidade a uma forma, a um modo de ser da burocracia, que é um modo de ser que, dentro do aparelho de Estado, não faz escolha de pessoas, não faz escolha de grupos. Ele defendia a boa burocracia. Por quê? Porque essa impessoalidade burocrática não reconhece privilégio. O que é privilégio? O privilégio, dentro do espaço público, é uma vantagem particular que alguém possa usufruir e que os outros não podem. Trata-se da apropriação ou destinação de algo que é comum a todos para um ou alguns. É aquilo que é privatizado, que é particularizado por alguém dentro de um sistema público que é de todos.

Ora, sabemos que o sistema público não pode conter privilégios entre cidadãos “superiores e inferiores”, pois conteria uma distribuição injusta e ilegal no acesso a bens públicos. Como diz o art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90, Regime Jurídico dos Servidores Públicos civis da União, é proibido ao servidor público valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem.

A impessoalidade de que falamos, obviamente, não é aquela do senso comum: fulano de tal me tratou de modo frio, distante ou até mesmo pouco cordial. A pessoalidade ou impessoalidade no trato da vida privada é uma coisa, no trato da coisa pública é outra. Na primeira, valoriza-se a pessoalidade e, na segunda, a impessoalidade é a forma de tratar todos com igualdade. Não é nas relações pessoais que se pede a impessoalidade. Pede-se a impessoalidade nas relações funcionais com um distanciamento de toda forma de privilégio. Um trato pessoal, afável, educação não quer dizer, nas atividades funcionais, o aproveitamento dessas situações para fins de privilégio.
É o que esta na Lei n. 8.112/90, quando em seu art. 116, XI, diz ser dever de todo servidor público tratar com urbanidade as pessoas.

A moralidade: se a impessoalidade é tratar igualmente a todos, de acordo com a legalidade expressa, a moralidade dá outro componente do serviço público. Ela entra no resguardo dos bens públicos e no combate à corrupção financeira ou moral. Certamente ela se torna muito evidente no caso daqueles órgãos que lidam com o dinheiro público e que podem praticar atos (imorais) que tenham a ver com o tráfico de influência ou malversação do dinheiro público. Porém a moralidade se aplica a atos que signifiquem, por exemplo, assédio de qualquer natureza para obter vantagens ou prática de colocar o bem público a serviço do interesse individual.

A publicidade: é outro princípio constitucional que se aplica. Quando detenho, e só eu detenho, uma informação sobre o outro ou sobre algo, posso transformar essa informação contra o outro, a favor do outro. Neste sentido, eu tenho sob as minhas mãos, sob o meu controle. É necessário dar publicidade. É a característica da transparência. Aqui não se esta falando da vida privada e da satisfação dos meus atos individuais, como por exemplo, se durmo em uma cama ou se durmo em uma rede. Não faz sentido nenhum querer que alguém torne público aspectos da sua vida particular. Porém, no âmbito da administração pública, não estamos lidando com fatos em que a base é o privado. A base é o trabalho que produz valor e de cujo valor nasce o pagamento de impostos, das contribuições e das taxas para os serviços públicos. Assim vale o princípio de que, sob a Lei, a vida coletiva não respeita privilégio. Ela esta acima de tudo e de todos. Portanto, ao lidarmos com algo público, temos de dar a mais ampla publicidade, porque somos um órgão público e devemos prestar contas à sociedade.
Isto não significa que algumas reuniões de um órgão colegiado não possam ser técnicas e reservadas; as sessões devem ser norteadas por critérios claros previamente divulgados. Além disso, as sessões são secretariadas, gravadas, objeto de arquivo e podem ser consultadas pelos cidadãos interessados, assim como o resultado (pareceres, resoluções) é sempre publicado por meio de algum órgão oficial de imprensa. Neste sentido, jamais há segredos em reuniões técnicas e sim resguardo para se garantir a impessoalidade. Hoje, com a rede mundial de computadores, tornou-se mais fácil a publicação de pautas, dos critérios, dos modos (público e/ou técnico) das sessões e dos seus resultados.

Ora, o conselho sobre o qual estamos conversando é um Conselho de Educação. Ele é um órgão de Estado, geralmente criado por Lei e que tem por função interpretar e normatizar campos específicos da Legislação Educacional. Ele aplica as normas e situações específicas conforme se pode ver, no caso do Conselho Nacional de Educação, na Lei n. 9.131/95.

No âmbito da administração pública, um órgão de Estado é uma unidade da administração direta, permanente ou temporário, emanado de Lei, sendo um centro de poder que põe em função um certo número de atribuições que lhe são afeitas, próprias do serviço público.

É da tradição desses órgãos não ser o mandato de seus ocupantes coincidente com o dos ocupantes de um determinado governo. Isto possibilita dar continuidade a aspectos legais que tenham a ver com a boa prestação de um serviço público e que campos essenciais não sofram descontinuidade.

Os Conselhos Municipais, Estaduais e Distrital de Educação, junto com o Conselho Nacional de Educação, são todos órgãos colegiados, de caráter normativo, deliberativo e consultivo, que interpretam, deliberam segundo suas competências e atribuições, a aplicação da Legislação educacional e propõem sugestões de aperfeiçoamento da educação dos sistemas de ensino.

No caso da educação, costuma-se diferenciar os órgãos de caráter executivo e os de caráter normativo. Tanto um como outro cumprem o que a Lei determina e o que lhes compete em matéria de atribuições.

Os primeiros órgãos, entre outras funções, executam programas governamentais e cuidam da aplicação e da utilização dos recursos públicos a partir de programas governamentais e da obediência às leis. Denominam-se, em geral, Ministérios dentro da alçada federal e secretarias nos outros entes federativos. Eles se constituem como órgãos executivos e dirigentes das administrações públicas diretas dos entes da Federação.

Entretanto, nem sempre o conjunto das leis está explicitado, e, às vezes, a Lei tem um caráter geral para que sua aplicação, em casos específicos, seja feita por órgãos que interpretem a Lei; é o caso dos órgãos normativos da educação escolar que interpretam as leis do ensino.

Os órgãos normativos interpretam campos específicos da Legislação e aplicam as normas a situações específicas, conforme se pode ver na Lei n. 9.131/95, que criou o Conselho Nacional de Educação. É importante notar que o órgão normativo interpreta as leis, mas não as faz, quem as faz é o Poder Legislativo. Subsidiariamente o poder Executivo também pode exarar decretos com força de Lei, respeitando-se, quando for o caso, o que a própria Lei permite.

A Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação n. 9394/1996, que regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição, ao cuidar de órgãos públicos dos sistemas, denomina-os genericamente como órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino (artigos 10 e 11 da LDB). Como órgãos próprios de Estado, eles, por exemplo, estão sujeitos aos artigos 4.º e 5.º da LDB.

Outro princípio fundamental que deve estar presente na atuação dos conselheiros é o Regime de Colaboração. A Constituição Federal de 1988 reconhece o Brasil como uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (art. 1.º da Constituição). E ao se estruturar assim, o faz sob o princípio da cooperação, de acordo com os artigos 1.º, 18, 23 e 60, § 4.º, I. Em vez de um sistema hierárquico ou dualista, comumente centralizado, a Constituição Federal montou um sistema de repartição de competências e atribuições legislativas entre os integrantes do sistema federativo, dentro de limites expressos, reconhecendo a sua dignidade e autonomia.

Nas Constituições anteriores, os Municípios não eram reconhecidos como entes federativos. Eram subsistemas dos Estados, e sua autonomia, quando de Constituições proclamadas, era reconhecida dentro de espaços muito limitados. Nas Constituições outorgadas, esse espaço era menor ainda. O sistema era dual – só a União e os Estados eram considerados entes federativos. E era um sistema hierárquico em que a União era superior aos Estados, e estes o eram em relação aos Municípios.

Os constituintes ao formularem a Constituição de 1988 fazem a escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado em que se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. Nessa escolha, a cooperação exige o entendimento mútuo entre os entes federativos, e a participação supõe a abertura de novas arenas públicas de deliberação e mesmo de decisão.

A insistência na cooperação, a divisão e a distribuição de competências com autonomia, e a distinção de objetivos comuns com normas nacionais gerais indicam que, nesta Constituição, a acepção de sistema se dá como sistema federativo por colaboração, tanto quanto de Estado Democrático de Direito. Essa abertura, contudo, no campo da interpretação do texto legal, dada a complexidade da teia de relações sociais e política que se estabelecem, é também fonte de incertezas.

Praticamente não resta mais dúvida, entre os comentaristas da Constituição, quanto ao caráter de ente federativo dos Estados e dos Municípios, sobretudo após a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000) quando em seu art. 2.º, I diz-se que se entende como ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município.

Não resta dúvida, pois, quanto à autonomia e à auto-organização do Município e de sua condição de pessoa jurídico-política de direito público interno e, como tal, ente integrante da Federação.

Para dar conta desse modelo federado e cooperativo, a Constituição compôs um ordenamento jurídico complexo no qual coexistem atribuições privativas, distribuídas para cada ente federativo, competências concorrentes entre eles, competências comuns entre esses entes e ainda a participação em atribuições próprias da União mediante delegação.

As competências privativas da União estão previstas, sobretudo, nos artigos 21 e 22 da Constituição Federal. As competências privativas dos Estados estão listadas no art. 18, § 4.º e nas competências residuais não enumeradas no art. 25 e as listadas nos §s 2.º e 3.º do mesmo art. 25 da Lei Maior.

As competências privativas dos Municípios são listadas no artigo 30 desse mesmo texto constitucional. Ele contém matéria própria para os Municípios, mas que também não deixa de fazer interface com os Estados, o Distrito Federal e a União. Isto significa que, no espaço de suas atribuições próprias, nem a União e nem o Estado podem invadir a autonomia municipal. Esse fato retira dos Municípios a precedente característica de subsistemas dos Estados e da União. E, sob essa luz, ainda mais com a reforma tributária ocorrida no interior da Constituição (art. 145, 153 a 159), os Municípios ganham novas atribuições.

O artigo 23 lista as competências comuns cuja efetivação é tarefa de todos os entes federativos, pois as finalidades nelas postas são de tal ordem que, sem o concurso de todos eles, elas não se realizariam. Trata-se da soma integrada e articulada de esforços cooperativos em função de um bem de índole social e de interesse público de modo a evitar a dispersão de iniciativas e a duplicação de meios para os mesmos fins. Deve-se assinalar, neste sentido, o inciso V do mesmo art. 23, que diz ser competência comum proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.

É importante assinalar o que diz o § único deste artigo:

“Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

O Congresso, até a presente data, não normatizou ainda esse aspecto nuclear do pacto federativo. Trata-se de matéria da mais alta importância e significado para o conjunto das ações públicas e, em especial, para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. A criação dessa Lei Complementar possibilitaria o aprimoramento na sistematização das competências a fim de coordená-las de modo claro na forma, cooperativo na articulação, simétrico no respeito às competências de cada ente federativo e eficaz no desenvolvimento e no bem-estar dos cidadãos brasileiros.

No artigo 24 figuram as competências concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal. É preciso observar que, nesse caso, são assuntos sobre os quais esses entes federativos podem legislar. O inciso IX diz ser matéria concorrente de todos: a educação, a cultura, o ensino e o desporto.

Destaque-se, também, o que dizem os quatro parágrafos deste artigo:

§ 1 No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2 A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3 Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4 A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Porém, os Municípios, pelo inciso II do art. 30 da Constituição, usufruem da competência de suplementar a Legislação Federal e Estadual no que couber. Portanto, os assuntos de interesse local (art. 30, I) podem ser objeto de normas suplementares.

Ora, o inciso VI do artigo 30 diz que compete aos Municípios manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados. Isto configura o exercício conjunto de competências materiais comuns entre todos esses sujeitos políticos de direito público. A competência material comum é uma forma de atuação concorrente em que tal exercício é conjunto entre os entes públicos diante um assunto de magna importância. A índole social das matérias arroladas no art. 23 apela para uma conjugação articulada, descentralizada e permanente de esforços na execução de uma finalidade comum.

A delegação de competências aos Estados, por sua vez, está no art. 22, § único, que diz:

“Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.

Essa é uma possibilidade afeita aos Estados desde que o legislador federal o queira fazer sempre em benefício de uma descentralização adequada.

A colaboração recíproca, além de revogar o precedente sistema hierárquico ou dualista, comumente centralizado, reconhece a dignidade e a autonomia próprias dos entes federativos e postula o diálogo e a busca do consenso dentro das normas gerais e da articulação entre as competências.

A colaboração recíproca, exercida e efetivada na prática, está posta na Constituição Federal em seu art. 211 e especificamente no § 4.º. Por isso, constitui um elemento fundamental na atuação do conselheiro.

Texto retirado do Módulo 2 “Concepção, Estrutura e Funcionamento”, Caderno 1, das publicações da SEB/MEC sobre o Programa de  Formação Continuada de Conselheiros Municipais de Educação. Páginas de 16 a 24. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica.

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